quarta-feira, 4 de julho de 2012

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Entrevista de Maria Ignez Montovani Franco - presidente Icom Brasil, publicada no Jornal A notícia Caderno Idéias - 20/05/2012

MUSEUS
No dia 18 de maio, foi celebrado o Dia Internacional dos Museus, fechando a Semana de Museus que ocorreu simultaneamente em todo o Brasil.
Para discutir os desafios dos espaços de memória brasileiros, o que o setor cultural tem a comemorar, questões de preservação e de possibilidades, a historiadora de Joinville Giane Maria de Souza entrevistou Maria Ignez Mantovani Franco, presidente do conselho e administração do Conselho Internacional dos Museus (Icom) do Brasil
MARIA IGNEZ MANTOVANI FRANCO é brasileira, graduada em Comunicação Social, com especialização em Museologia, e doutora em Museologia pela Universidade Lusófona de Humanidades e Tecnologias, de Lisboa, Portugal. Diretora da empresa EXPOMUS – Exposições, Museus, Projetos Culturais, por ela criada em 1981, atuou em cerca de 250 projetos de exposições nacionais e internacionais de arte e cultura brasileira, e desenvolve projetos museológicos, socioeducacionais e ambientais, em colaboração com instituições e museus brasileiros e do exterior. Realiza palestras e conferências de capacitação em museologia e gestão cultural. Entre outras atribuições, é vice-presidente e representante para a América Latina do CAMOC – Comitê Internacional de Museus de Cidade do ICOM, e presidente do Conselho de Administração do ICOM Brasil, órgão que representa no Conselho Consultivo do Patrimônio Museológico do Insti tuto Brasileiro de Museus – IBRAM/Ministério da Cultura.

O que podemos comemorar nesse Dia Internacional dos Museus?
Maria Ignez Mantovani Franco – Museus em um mundo em transformação. Novos desafios, novas inspirações é o tema anual instituído internacionalmente pelo Icom para 2012. É, portanto, sobre este tema inspirador que devemos trabalhar neste ano. Eu recomendaria uma forte atuação em prol do ineditismo das ações. O Brasil é hoje protagonista em várias áreas e poderia sê-lo também na patrimonial. Sem dúvida, o País está se capacitando para tal; que ele saia fortalecido deste momento de celebração. Aproveito ainda para suscitar o engajamento dos profissionais de museus em prol da realização da 23ª Conferência Mundial de Museus, a ser realizada em agosto de 2013. Que possamos acolher os profissionais de museus de todo o mundo, de braços abertos, com um legado museológico não apenas a mostrar, mas também a preservar e comunicar.

Dentro de uma análise que aborda uma nova concepção de museus – atuação, missão, comunicação educação, qualificação e exposição — qual o panorama dos museus no Brasil, entre perspectivas, desafios e avanços?
Maria Ignez – É inegável o avanço obtido pelos museus brasileiros nos últimos anos. Acredito que estes se deram mais incisivamente nas áreas de comunicação e inclusão – com a conquista de novos públicos – e de gestão – com a incorporação de novas formas alternativas à gestão pública tradicional dos museus. Por outro lado, é inegável o papel da globalização, da qualificação dos museus em todo o mundo, e esta onda benéfica abrange os museus brasileiros. Há também, como decorrência da estabilidade política e econômica de nosso País, um crescente investimento em cultura e em museus, advindo de fontes diversas e complementares. Por outro lado, av ança-se nos últimos anos na qualificação profissional, com a abertura de novos cursos de graduação e pós-graduação em museologia e áreas afins, por todo o País, contando também com o aumento das interações e trocas interinstitucionais. Confesso que sou realmente muito otimista com relação ao futuro dos museus brasileiros, porque acredito na competência de nossos profissionais. Penso que os investimentos públicos e privados precisam ser mais pulverizados entre museus de médio e pequeno porte e, sobretudo, possam corrigir defasagens regionais ainda muito acentuadas em nosso País.

Museu, memória, patrimônio artístico, histórico, paisagístico, urbanístico e arquitetônico. Como garantir a salvaguarda e preservação desses elementos em megalópoles como São Paulo e em cidades de médio porte como Joinville, de cerca de 500 mil habitantes, e outros municípios que possuem 20 mil habitantes, por exemplo? Como se dá a defesa do patrimà ´nio nesses casos?
Maria Ignez – As ações de salvaguarda e preservação devem ser exercitadas continuamente. Proteger, preservar, comunicar o patrimônio é algo cabível em cidades de diferentes portes ou escalas. As diferenças são sensíveis entre uma cidade e outra, de uma escala de análise a outra, mas a essência não muda e deve ser observada, exercitada e usufruída. Para falar de uma das escalas, escolho a de São Paulo, por hábito de dedicar meu olhar à megacidade. Neste caso, eu diria que as ações preservacionistas e comunicacionais estarão apoiadas nas múltiplas centralidades urbanas, ou seja, a megalópole já não mais privilegia o centro tradicionalmente eleito, mas adota múltiplas centralidades que lhe conferem vigor, tenacidade e multiculturalismo. Assim, é importante identificar, para além do patrimônio tradicionalmente reconhecido como tal, as múltiplas referências ativas da memória que elegem diferentes locus urbano s, reconhecidos como elementos repletos de significados coletivos. Exemplificando, para além do viaduto do Chá – eleito como uma importante conexão de sentidos da metrópole – é importante legitimar o Mercado da Lapa, o Escadão de Guaianazes, a feira boliviana Kantuta do Pari, a Festa da Achiropita do Bixiga, os clubes incipientes de várzea, os terreiros urbanos de culto afro, etc.

Em sua trajetória acadêmica e profissional, você desenvolveu diversas análises sobre o museu e relação sociocultural dos espaços de memória dentro das grandes cidades, principalmente tendo como cenário uma cidade como São Paulo. Pode falar um pouco sobre isso?
Maria Ignez – O meu interesse profissional e acadêmico pelo tema das cidades é crescente e tenho me concentrado em refletir sobre como um museu de cidade pode ser um grande indutor de políticas públicas inclusivas e participativas, em diferentes contextos sociais. No meu doutor ado, defendido na Universidade Lusófona de Lisboa, desenvolvi um modelo de museu de cidade para megacidades, tendo São Paulo como objeto de análise. Se considerarmos que o século 21 é o século das cidades, podemos dizer que o museu de cidade é o museu do século 21. Isto posto, tenho tido o privilégio de participar do conselho do Camoc – comitê do Conselho Internacional de Museus (Icom) – que se dedica aos museus de cidade. É um fórum internacional e interdisciplinar de profissionais que trabalham ou são interessados em museus de cidades: planejadores urbanos, historiadores, arquitetos, geógrafos, museólogos. Enfim, todos interessados em compartilhar conhecimento e experiências, trocas de ideias e a explorar parcerias e intercâmbios internacionais sobre este tema que é de elevado interesse tanto para estudiosos quanto para os cidadãos. Em resumo, o Camoc se dedica ao estudo das cidades e das pessoas.
Você é uma das fundadoras da Exp omus, que atua há 30 anos no mercado da cultura e museologia. A empresa trabalha e realiza diversos projetos educacionais, patrimoniais e ambientais no Brasil e no exterior.

Fale um pouco sobre sua empresa e os trabalhos que ela desenvolve no País, no estrangeiro e também sobre as premiações recebidas pela instituição.
Maria Ignez – Em 1981, a Expomus foi criada com o foco em novas possibilidades de trabalho que a cultura suscitava. Os museus já despontavam como um manancial de diálogos e compreensão da sociedade. Essa visão plena de significados norteou nossos primeiros anos de atuação na área museológica. Era tempo de ampliar horizontes, de incorporar o novo, mas também de contribuir para que o mundo conhecesse o nosso País por meio de nossa multiculturalidade. A museologia tornou-se o nosso eixo articulador, a espinha dorsal de onde fluem nossos fazeres. No início da década de 1990, esse compromisso, aliado aos principais desafios museológicos do período, nos conduziu aos caminhos e trilhas dos projetos sociais e ambientais, ampliando nosso trabalho com novas parcerias – seja com o terceiro setor, com o poder público ou com o setor privado. Na última década, voltamos nossos olhares para as questões que ampliam o espaço e o debate em torno dos museus, que permitem um melhor acesso de seus públicos aos acervos e conteúdos informacionais, e que os integram às comunidades a que estão vinculados.
Em tudo o que realizamos há um fazer museológico, um desejo implícito de ampliar, contribuir e disseminar junto à nossa sociedade a importância do patrimônio, e reconhecer a grandeza que é para um grupo poder se apropriar de sua própria história, de seus registros, signos, percursos e trajetórias. Resumidamente, a Expomus desenvolve implantação de novos museus; revitalização de museus existentes; planejamento estratégico, concepção, implantação e reestruturação de museu s e centros culturais; projetos de capacitação na área museológica, por meio da realização de seminários, palestras e oficinas culturais; desenvolvimento de programas educacionais voltados ao entendimento e preservação do patrimônio material e imaterial; estudos de acessibilidade; memória local e mobilização comunitária; estratégias de sustentabilidade; e projetos sociais, educacionais e ambientais com ênfase museológica.
Quanto às premiações que reunimos ao longo de nossa trajetória, prefiro dizer que cada uma delas premiou o trabalho interdisciplinar, coletivo, de uma equipe incansável e de alta performance, que é, sem dúvida, meu maior orgulho.
Sua experiência, notoriedade e reconhecimento público a levaram para a presidência do Icom - Brasil.

Como você vê o trabalho desenvolvido pelo Icom na defesa do patrimônio e da cultura mundial? O Icom e a Unesco trabalham em parceria com a ONU. Quais as principais ações em defesa dos princípios do Icom dentro dessa perspectiva coletiva de trabalho?
Maria Ignez – O Conselho Internacional de Museus (Icom) é uma organização internacional de museus e profissionais de museus, a quem está confiada a conservação, preservação e a difusão do patrimônio mundial – cultural, natural, presente e futuro, material e imaterial – para a sociedade. É uma organização não governamental que mantém relações formais com a Unesco, executando parte de seu programa para museus, tendo status consultivo no Conselho Econômico e Social da ONU.
Suas principais linhas de ação são: mediação em arte e patrimônio cultural, que é a promoção da restituição de bens culturais ilicitamente adquiridos aos seus locais e países de origem. O Icom oferece meios e serviços aos museus para que possam cumprir este objetivo: código de ética para os museus. Trata-se do estabelecimento de normas de conduta exemplar para profissionais de museus, de valores e princípios que o Icom compartilha com a comunidade museológica internacional; e a luta contra o tráfico ilícito de bens culturais, que ocupa o terceiro lugar nas atividades criminais mundiais, atrás apenas do tráfico de entorpecentes e de armas. Causa muitos danos ao patrimônio mundial, principalmente em regiões em que os saques são frequentes.

Sobre a atuação do Icom no Brasil, qual análise você faz sobre a trajetória até aqui percorrida por outras gestões - avanços e dificuldades – e quais são as principais metas da nova gestão que se instala com você na presidência?
Maria Ignez – O Icom Brasil tem tido uma sucessão de ótimas gestões nas duas últimas décadas. Como um organismo de formação colegiada e de representação internacional, tem sido dirigido por colegas de diferentes regiões do País que se dedicam voluntariamente às atividades institucionais, representa ndo o Icom no Brasil e o Brasil no exterior. Tenho colaborado na diretoria das duas últimas gestões, lideradas, respectivamente, por Carlos Roberto Brandão e Denise Grinspum. Foi um grande prazer trabalhar com estes dois presidentes, nos últimos anos, e vejo esta nova gestão como uma sucessão natural dos trabalhos que já se encontram em andamento. A principal meta desta nova gestão é, sem dúvida, dar concretude à 23ª conferência internacional do Icom que será realizada em agosto de 2013, no Rio de Janeiro. Pela primeira vez, o Brasil sediará uma Conferência Internacional do Icom e é uma imensa responsabilidade levar a cabo esta importante tarefa. A comunidade museológica internacional tem uma elevada expectativa da performance do Icom Brasil, e agora, como presidente, tenho a responsabilidade de liderar meus pares para construir um trabalho harmônico e articulado que resulte numa conferência exemplar. Por sorte, temos um grupo coeso de profissionais do Ic om, altamente engajado e atuante, que deverá trabalhar com competência e sinergia.
Como se dá a relação do Icom, Instituto Brasileiro de Museus (Ibram) e Instituto do Patrimônio Histórico e Artístico Nacional (Iphan) no Brasil, e quais são os principais problemas que atrapalham a defesa e a garantia da salvaguarda do patrimônio pelas instituições públicas?
Maria Ignez – As relações do Icom Brasil quanto com o Ibram como com o Iphan, são as melhores possíveis. Por serem duas instituições que garantem a defesa e a salvaguarda do patrimônio, são interlocutoras permanentes do Icom e vice-versa. Somos frequentemente chamados a colaborar em colegiados e comissões instituídos por esses organismos, o que temos atendido com prazer, indicando representantes escolhidos entre nossos membros. Mais recentemente, o Icom foi qualificado como uma das instituições que tem assento na Comissão Nacional de Incentivo à Cultura (C NIC) — onde atua na Comissão de Patrimônio, em diálogo permanente com o Ibram e o Iphan.
Sobre a ótica do patrimônio em suas múltiplas dimensões, tangível e intangível, podemos dizer que a questão patrimonial é um grande leque de possibilidades de trabalho, de pesquisa e de salvaguarda?
Maria Ignez – Sem dúvida, algumas dimensões múltiplas do patrimônio tangível e intangível são um contínuo estímulo ao trabalho de pesquisa e às ações de salvaguarda. Num país de dimensões continentais como o Brasil e de riqueza multicultural tão ampliada como a nossa, torna-se vital o engajamento profissional, notadamente nas áreas patrimoniais. Assim, vemos que o leque de possibilidades se alastra não somente no sentido horizontal, como também no eixo profundo das diferentes dimensões da cultura brasileira. Neste sentido amplo é que se insere o papel do museu como um instrumento sensível de ampliação não apenas do conhecimento, mas da capacidade crítica do cidadão.

No Brasil e no mundo existe uma gama imensa de bens desaparecidos e roubados. Qual a preocupação do Icom, nesse sentido — investigação, repatriação (em alguns casos) e a segurança atual dos espaços museais?
Maria Ignez – No cenário brasileiro, eu diria que as preocupações maiores do Icom Brasil estão na sensibilização pública sobre a importância da busca contínua do patrimônio desaparecido e/ou roubado e, mais recentemente, no aumento dos patamares de segurança dos espaços museais. O Brasil galgou patamares preocupantes no ranking mundial de perdas patrimoniais por roubo ou desaparecimento de obras patrimoniais relevantes. Precisamos, portanto, atingir novos patamares de conhecimento sobre segurança patrimonial estratégica e desenvolver planos emergenciais mais alentados e competentes na área patrimonial. As políticas públicas têm investido recursos mais sistemáticos em segurança patrimonial, o que vem representando sensível patamar de requalificação para os museus brasileiros. Para além do aparato tecnológico deve-se desenvolver sensível olhar para a qualificação da mão de obra, capaz de desenvolver um trabalho articulado de inteligência capaz de minimizar riscos e recuperar perdas patrimoniais. Por outro lado, já há também uma consciência institucional capaz de reconhecer riscos decorrentes de desastres naturais, acidentes involuntários ou dolosos. Desta forma, estando os profissionais mais preparados e em permanente estado de alerta, conseguem conduzir com rigor os planos integrados de segurança que alcançam resultados muito mais concretos e contínuos.

* Giane Maria de Souza é historiadora, autora do livro “A Cidade onde se Trabalha, a Propagação Ideológica do Autoritarismo Estadonovista em Joinville”, editora Maria do Cais/2008. Trabalha como especialista cultural - educadora de mu seus na Fundação Cultural de Joinville/PMJ. gianesc@bol.com.br.

II DOCOMOMO Paraná